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A Fundação da Academia de Belas Artes da Bahia

A Academia de Belas Artes da Bahia foi fundada em 17 de dezembro de 1877, originária da iniciativa particular do pintor espanhol (valenciano) Miguel Navarro y Cañizares, que contou com o apoio do então Presidente da Província da Bahia, Desembargador Henrique Pereira de Lucena (mais tarde Barão de Lucena), bem como, com a colaboração de artistas e estudantes provenientes do Liceu de Artes e Oficios da Bahia e alguns profissionais liberais, intelectuais e amantes das artes. Constituiu-se tal colaboração dos seguintes nomes: João Francisco Lopes Rodrigues, pintor baiano e ex-professor do Liceu da Bahia, seus filhos Manoel Silvestre Lopes Rodrigues, ex-aluno e professor do Liceu, o médico Dr. João Francisco Lopes Rodrigues e Antonio Lopes Rodrigues, ex-aluno do Liceu; outros ex-alunos do Liceu de Artes e Oficios, Manoel Raymundo Querino, Tito Baptista, Carlos Costa Carvalho, Andre Pereira da Silva Junior, Januario Tito do Nascimento, João Gualberto Baptista, Boaventura Jose da Silva e Manoel Rodrigues de Azevedo; e ainda o médico e político brasileiro Dr. Virgílio Climaco Damásio; o engenheiro-arquiteto José Allioni, o professor primário Austricliano Francisco Coelho e o político, jornalista e farmacêutico Amaro de Lellis Piedade.

Como passageiros do Vapor John Bramall, procedente de Nova York (com escalas) e com destino ao Rio de Janeiro, Miguel Navarro y Cañizares aportou em Salvador em 4 de abril de 1876, juntamente com sua senhora e duas filhas. Prudentemente, foi-se deixando ficar em terras soteropolitanas devido a ser noticiado um surto de febre amarela no Rio de Janeiro, para onde planejava ir. Segundo Manoel Querino, Cañizares estabeleceu-se à Estrada Nova (depois Dr. Seabra), junto ao Largo de São Miguel, onde fez pequena exposição de seus quadros “que prenderam a attenção do publico apreciador de bellezas artisticas”. Logo procurou praticar sua profissão durante sua estadia em Salvador, oferecendo-se para lecionar no Liceu de Artes e Ofícios, dispensando qualquer remuneração, conforme noticiou o Diário da Bahia em sua edição de 14 de maio de 1876. Fundou no Liceu o curso superior de pintura, o qual iniciou suas atividades “em 28 de maio de 1876”, conforme informou o Desembargador João Antonio de Araújo Freitas Henrique em seu relatório apresentado em 20 de outubro de 1876, na qualidade de diretor do dito Liceu. Entretanto, Cañizares desligou-se definitivamente de tal instituição de ensino em outubro de 1877, devido a desentendimentos entre ele, a direção do Liceu e outro professor de pintura desta instituição, o pintor baiano José Antonio da Cunha Couto. Tais desentendimentos originaram-se do episódio referente à encomenda de um retrato do Imperador D. Pedro II, a priori encomendado pela direção do Liceu a Cañizares, cujo contrato fora cancelado mediante os protestos reivindicatórios proferidos por Cunha Couto, que conseguiu ser acatado a assumir tal tarefa.

Auto Retrato | Miguel Navarro y Cañizares | 1886.

Acervo Escola de Belas Artes | UFBA.

Acreditamos porém, que a Academia de Belas Artes não deve ter sido fundada apenas por motivação do incidente do pintor espanhol com o Liceu de Artes e Ofícios, conforme aludem alguns autores. Alusões estas que chegam a dizer que sua efetiva criação tenha sido “fruto” ou “conseqüência” ou até mesmo, como afirma Torres, um “revide à atitude descortez da Diretoria do Liceu”. Um pensamento que por décadas vinculou sua fundação a uma atitude negativa, de embate entre um artista estrangeiro e a comunidade artística local. Conforme inferimos em trabalho prévio, é mais provável que a Academia tenha se originado do “idealismo particular de Miguel Navarro y Cañizares, aliado com o grupo de conceituados artistas, professores e intelectuais”, e que a saída do Liceu pode ter apenas contribuído no sentido de redirecionar os ânimos de uma fundação já premeditada. Cañizares era um artista de sólida formação acadêmica, com graduação na Real Academia de San Carlos de Valência (Espanha) e aperfeiçoamento artístico na Real Academia de Belas Artes de San Fernando, onde foi discípulo do pintor espanhol Frederico Madrazo. Seu oferecimento e efetivação da criação do curso superior de pintura no Liceu, certamente demonstram suas intenções de implantar na Bahia um verdadeiro ensino das belas artes em nível superior (acadêmico). Entretanto, seja por motivações políticas internas ou mesmo pelo próprio caráter de um ensino profissionalizante oficinal, poderia não ter encontrado, naquela instituição de artes e ofícios, terreno propício para tanto.

Decididos a fundar uma academia de artes na Bahia, Cañizares e seus companheiros procuraram o auxílio e proteção do governo da província, ao que a folha oficial da época publicou o seguinte:

Aos Srs. Miguel Navarro y Canyzares e outros, ex-professores de desenho do Lyceu de artes e Officios, foi dirigido em 10 de novembro findo (1877), o seguinte officio: Devolvendo o projecto de estatutos da Academia de Bellas-Artes, que Vms. pretendem fundar nesta cidade, declaro-lhes que, attendendo a que a idéa da instalação da mesma Academia é um acto de patriotismo e de interesse pelo progresso das artes nesta provincia, por Vms. praticado, o qual partindo da iniciativa individual merece por isso todo o apoio e protecção do governo, podem fazer a installação da referida Academia no edificio de que fez o governador acquisição para as escolas do curato da sé, e nelle funccionar até que se dê princípios ás obras que tem de ser executadas para adaptal-o ao fim a que está destinado.

É então fundada a Academia de Belas Artes da Bahia, cujo Termo de Inauguração encontra-se transcrito por Querino, onde se lê o seguinte:

Academia de Bellas-Artes, Bahia e cidade de S. Salvador.
Termo de Inauguração
Aos 17 dias do mez de dezembro de mil oitocentos e setenta e sete, ás 2 horas da tarde, a´ rua do Caminho Novo do Gravatá, presente o Exm. Sr. Dezembargador Henrique Pereira de Lucena, Presidente da Provincia, em presença dos abaixo assinados e diversas outras pessoas, foi por S. Ex., declarada inaugurada a Academia de Bellas-Artes da Bahia; do que para constar em qualquer tempo, eu, Austricliano Francisco Coelho, servindo de secretario, lavrêi o presente termo, em que me assigno. – O presidente, Henrique Pereira de Lucena. – Dr. Virgilio Climaco Damásio. – Miguel Navarro y Canizares. – João Francisco Lopes Rodrigues. – José Allioni. - João Francisco Lopes Rodrigues Filho. – Manoel S. Lopes Rodrigues. – Austricliano F. Coelho.

O ato de fundação e início das atividades ocorreram no próprio ateliê do professor Cañizares, localizado em sua residência “no segundo andar de um grande sobrado situado à Praça de Palácio”. Em seguida, ainda “no mesmo ano de sua fundação, a Academia foi transferida para uma parte do antigo solar Jonathas Abbott, na rua 28 de setembro (antiga Caminho Novo do Gravatá), cedido pelo governo do Estado.

Solar Jonathas Abbott | Rua 28 de Setembro.

Fotografia do Acervo da Escola de Belas Artes | UFBA.

Conforme os relatos de Manoel Querino, “fundada a Academia os alumnos se encarregaram do fornecimento da mobília escolar, composta de caixões de pinho, lanternas de folha de Flandres e mais pertences, todos modestissimos”.

Em Sessão do dia 5 de março de 1880, por proposta do professor Austricliano Francisco Coelho, a Congregação deliberou a colocação de um quadro de honra com os nomes dos alunos que participaram diretamente da fundação, conferindo-lhes o título de alunos fundadores.
Com a Reforma do Ensino Médio e Superior da República, conhecida por Reforma Benjamim Constant, a Academia passa a ser nomeada Escola de Belas Artes, a partir de 1895. A elaboração dos seus estatutos certamente teve como base os conhecimentos de Miguel Navarro y Cañizares, bem como os conselhos e orientações do então presidente da Província da Bahia. Seus estatutos tiveram, portanto, inspiração nos da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro e nos da Real Academia de San Carlos de Valência (Espanha).

A Escola de Belas Artes da Bahia “é a segunda escola superior da Bahia e a segunda escola de artes do Brasil”.


Viviane Rummler da Silva

 

 

A Escola de Belas Artes na Universidade da Bahia

Em abril de 1946, realizou-se a maior aspiração dos baianos, a criação da Universidade da Bahia. Em ato solene, o presidente da República e o Ministro da Educação assinaram o decreto lei nº. 9.155 que concretizou este sonho. Para isso diversos educadores e políticos se articularam, dentre eles Edgar Santos e Pedro Calmon. Desde o início das discussões para a institucionalização da universidade a EBA se fez presente nas reuniões, deixando de constar no edital por não possuir sede própria. A EBA vinha se mantendo desde 1877 no Solar Jonathas Abbott, em espaço cedido pelo então presidente da província. Ela funcionava juntamente com a Escola de Curato da Sé e assim se manteve até 1948.

Lei Áurea | Miguel Navarro y Cañizares | 1888.

Acervo Escola de Belas Artes | UFBA.

Na fase de negociação havia uma premissa que a criação da Universidade não deveria causar ônus para a união, para tanto, estas unidades deveriam ter autonomia financeira e administrativa, possuindo sede própria. No jornal A Tarde do dia 04/04/1946, página 3, a Comissão organizadora relacionou as unidades que deveriam integrar, num primeiro momento, a Universidade da Bahia: Faculdade de Medicina, Direito, Engenharia, Filosofia e Finanças. E assim foi instalada solenemente em 02 de julho de 1946 com a presença do então Ministro da Educação.

No ano seguinte (1947), com a doação do Solar Jonathas Abbott, sito à Rua 28 de Setembro, pelo Governo, a EBA pôde ser incorporada à Universidade. Portanto, desde o início a Escola de Belas Artes esteve presente e ajudou para que se concretizasse a maior aspiração do ensino baiano, que era uma universidade, que nascia sob a égide do pensamento do historiador Pedro Calmon, para quem “uma universidade sem as Belas Artes, seria uma universidade manca”.

Após o golpe Militar de 1964, são promovidas mudanças na administração pública e nas universidades. A Reforma Universitária, Lei 5.540/68, fazia parte do “Nacionalismo Desenvolvimentista” e foi elaborada a partir de análise da Comissão de Ensino Superior, entre 1966 e 1968. Este decreto propunha mudanças no espaço físico e na administração de pessoal, visando a “não duplicação de meios idênticos para fins mesmos”.

Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), estruturalmente, diversas unidades teriam que se adaptar à nova realidade. A EBA, naquele período, funcionava em uma área considerada como reduto de prostituição. Isso fez com que houvesse uma grande movimentação para a sua transferência para o Campus do Canela. Essa necessidade aliada aos novos desígnios da reestruturação universitária fez com que a Escola de Belas Artes, tivesse sua sede vendida e transferida temporariamente para o Convento de Santa Teresa de Ávila.

Segundo o Jornal da Bahia, do dia 03 de janeiro de 1968, o dinheiro da venda do solar foi utilizado na construção de uma nova sede para o Instituto de Geociências, na Federação, em troca a Universidade destinou o solar no qual funcionou Geologia para a sede da Escola de Belas Artes. Logo após a construção deste instituto, a EBA pôde ser transferida do Convento de Santa Teresa.

No nº. 16/212 da Rua Araújo Pinho, no Canela, a EBA mantém a sua sede desde 1970, que passou por reformas importantes, como a construção dos Pavilhões Mendonça Filho e Germano Tabacof, além da recuperação do Solar principal e do prédio da Galeria Gañizares.


Anderson Marinho

 

 

O Ensino Acadêmico de Arte

A Academia de Belas Artes da Bahia - ABAB instituiu o ensino acadêmico atendendo a necessidade de formação erudita dos artistas, dominada até aquele momento pela tradição do aprendizado oficinal (aprendia-se através do trabalho em uma oficina sob a orientação de um mestre do ofício), ao tempo em que se distinguiu do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, por se especializar no ensino e cultivo das Artes Belas.

Para a implantação do academicismo, os fundadores se inspiraram nas academias européias e na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro. Procurou-se desde o início suprir a academia do equipamento recomendado para o ensino superior, inclusive cópias de gesso das esculturas dos grandes mestres da Grécia e de Roma Antiga e daqueles representantes do barroco, rococó e neoclássico europeu. Essas cópias eram produzidas pelo Museu do Louvre e vendidas para as academias e liceus de todo o mundo.

Raimundo Aguiar | Estudo de Modelo Feminino | Século XX.

Acervo Escola de Belas Artes | UFBA.

A nascente ABAB encomendou em 1898, vinte anos depois da sua fundação, uma coleção, encomenda agenciada pelo escultor e professor da casa Joseph Gabriel Sentis, das quais restam algumas esculturas, notadamente uma cópia da Vênus de Milo. O Louvre abandonou a prática da cópia a partir do original depois de ter verificado que os moldes estragavam as peças originais. A coleção da EBA é uma das poucas coleções preservadas no Brasil.

O conceito de arte vigente no período fundava-se na mimesis, na cópia da natureza e das coisas, na verossimilhança e na beleza ideal. Desse modo os alunos eram conduzidos a exercitar a cópia em desenho e pintura de esculturas e pinturas; aos estudos da anatomia do corpo humano, através do uso de modelo vivo, para que membros, músculos, artérias e massas corpóreas fossem representados com grau elevado de verossimilhança. Do mesmo modo, a técnica de fixação dos traços fisionômicos dos indivíduos era ensinada e desenvolvida no sentido de atingir a perfeição que tornaria o retrato pintado, esculpido ou desenhado, semelhante a personalidade retratada.

Sala de Aula | Solar Jonathas Abbott | Século XX.

Fotografia do Acervo da Escola de Belas Artes | UFBA.

Para corresponder a esses objetivos, a Academia estruturou seu currículo para a habilitação técnica e estética em alto nível.
O aprimoramento dos estudos na Europa através da freqüência a um atelier de artista consagrado ou a uma das inúmeras Academias, como a Julien, e da possibilidade de conhecer, estudar e copiar as obras de arte dos grandes mestres do passado, existentes nos famosos museus, era o ápice da formação e por isso os prêmios de viagem à Europa concedidos ao primeiro lugar dos salões anuais.

Esse método formou artistas de mérito, dotando a Bahia e o Brasil de pintores excepcionais como Manuel Lopes Rodrigues, Presciliano Silva, Mendonça Filho, Emídio Magalhães, Alberto Valença, Oséas Santos, Archimedes José da Silva, Newton Silva, entre outros.


Luiz Alberto Ribeiro Freire

 

 

Prêmios Donativos Caminhoá da EBA | UFBA

Em 2007 comemorou-se 80 anos de inauguração do busto do arquiteto benemérito da Escola de Belas Artes, Francisco de Azevedo Monteiro Caminhoá, instituidor do Premio de Viagem Donativo Caminhoá da então Academia de Bellas Artes da Bahia, através de verba testamentária, para proporcionar viagem de aperfeiçoamento à Europa, então centro de referência nas Artes Plásticas mundiais.

Pasquale De Chirico | Busto de Francisco Caminhoá | 1927.

Acervo Escola de Belas Artes | UFBA.

Francisco Caminhoá nasceu em Salvador, em 1835, filho de Manuel José Caminhoá e de D. Luiza Monteiro Caminhoá, teve três irmãos: Joaquim Monteiro Caminhoá ( famoso botânico), Eurides Monteiro Caminhoá e Luís Monteiro Caminhoá .

A Lei nº 575 de 30 de junho de 1855 autoriza o Governo a suprir pelo espaço de tempo necessário, para completar o curso na razão de 1:400$000 anualmente, a Francisco Caminhoá para estudar na Europa arquitetura civil, onde se formou em Engenharia Civil, na Ècole des Arts, em Paris.

Em 1874, já de volta ao Brasil, é laureado com a Medalha de Ouro com fotos sobre porcelana, na Exposição Geral de Bellas Artes da Academia Imperial e publica “Documentos, juízo crítico e orçamento relativos ao monumento patriótico do Brasil, destinado ao campo da Aclamação no Rio de Janeiro, por ordem da Câmara Municipal da Côrte, no Rio de Janeiro.

Falecido em 1915, na cidade do Rio de Janeiro, onde tornou-se arquiteto e engenheiro reconhecido e exaltado pelos mais importantes segmentos sociais do século XIX, em agradecimento ao povo baiano que, através de bolsa de estudos oferecido pelo Governo do Estado da Bahia, possibilitou a Caminhoá o traçar desse caminho de realizações e reconhecimento profissional, deixa, conforme menciona nas notas testamentárias, parte de sua fortuna para instituições baianas e entre elas a Academia de Bellas Artes da Bahia, para aplicação em prêmio de viagem de aperfeiçoamento, tal qual recebera 60 anos antes e, de igual forma, lega outra parte de sua fortuna para a Escola Nacional de Bellas Artes do Rio de Janeiro, com o mesmo objetivo.

A relevância do Prëmio de Viagem do Legado Caminhoá para a história da Escola de Belas Artes da Bahia, bem como para o desenvolvimento das Artes Pásticas ,ainda está a merecer um estudo mais elaborado, mas, à priori, foi seu legado responsável pelo aperfeiçoamento de vários artistas de renome da Bahia, que se tornaram, por sua vez, professores da EBA, injetando novos conhecimentos e as técnicas apreendidas.

Emidio Magalhães | Vaqueiro de Couraça | 1931.

Acervo Escola de Belas Artes | UFBA.

Possibilitou ainda, em épocas de graves crises econômicas ( duas grandes guerras mundiais) aporte e subvenção para a aquisição de livros, equipamentos e materiais, além de contemplar a Escola com aquisição de importantes obras que hoje integram o seu acervo.

Deve a Bahia, ao legado do Arquiteto Francisco Caminhoá, o grande impulso que somado ao incansável esforço de muitos outros baianos ilustres, culmina na plena implementação do Curso de Arquitetura na Bahia.

O primeiro concurso do prêmio patrocinado pelo legado Caminhoá dá-se no ano de 1920 na secção de Escultura, tendo sido premiado Carlos Sepúlveda. Em 1965 tendo as apólices do tesouro nacional perdido completamente seu valor monetário, o Concurso deixa de ser realizado por não poder cumprir com o seu objetivo.

No Brasil, a história dos Prêmios de Viagem à Europa, para aperfeiçoamento artístico, tem um grande implemento como parte de uma política cultural instalada com a transferência de D.João VI para o Brasil, em 1808, numa tentativa de transformar a tão mal falada Colônia do Brasil em sede do Reino Português na acepção exata do termo.

Na Bahia há registros dessa prática através de incentivo governamental em 1810 pelo então Governador da Capitania da Bahia , D. Marcos de Noronha Brito 8º Conde dos Arcos de Val-de-Vez.


Bel Mascelani

 

 

A Pedagogia Modernista na Bahia

Com o propósito de legitimar e tornar acessível a inovadora produção plástica modernista européia que surge no alvorecer do século XX, desenvolveu-se um conjunto de trabalhos teóricos de artistas-pesquisadores, tais como Wassily Kandinsky (1866-1944), Piet Mondrian (1872-1944) e Paul Klee (1879-1940), dentre outros. Assim, iniciou-se a constituição de fundamentos teóricos e de um conjunto de informações que iriam desdobrar-se numa posterior pedagogia moderna e cujo ponto alto foi a pedagogia formalista e utilitarista da Bauhaus.

Um exemplo da instauração dos novos valores trazidos pelo modernismo é o Desenho, que passou a ser considerado como um recurso expressivo autônomo e eficaz, desligando-se do processo no qual restringia-se exclusivamente a parâmetro de avaliação dos avanços dos alunos nas Academias de Artes ou como estudo preparatório para as técnicas mais valorizadas, como a pintura.

Seguindo a tradição aberta pelas pesquisas modernistas é que se dá a atuação teórica, no Brasil, de artistas (concretos e neoconcretos, por exemplo) e de críticos de arte. Na Bahia, destacaram-se os críticos Carlos Chiacchio, nos anos 1930 e 1940, os irmãos Clarival e José do Prado Valladares e Wilson Rocha, nos anos 1950 e 1960, dentre outros, que exerciam a defesa da arte moderna. Esse grupo proporcionou esclarecimentos à opinião pública e apontou as características da nova arte. Esse ambiente favoreceu o interesse pela primeira geração modernista baiana (final dos anos 1940 e na década de 1950) e possibilitou a continuidade das pesquisas modernistas da segunda geração, a partir dos anos 1960.

Dois dos representantes daquela primeira geração, a pintora Maria Célia Amado (Maria Célia Amado Calmon Du Pin e Almeida, 1921-1988) e o escultor Mario Cravo Júnior (1923), foram os primeiros a desenvolver uma abordagem modernista ao ensino na Escola de Belas Artes da Bahia (EBA). Maria Célia Amado é considerada pioneira no ensino modernista na Bahia. Ela inseriu, pela primeira vez, a utilização de colagem na EBA/UFBA (e na Bahia), além de outras inovações, tais como criações livres e exercícios compositivos com materiais e técnicas modernas.

Por valorizar a liberdade na sua realização prática, a mensuração do resultado obtido dependia sobretudo de aspectos subjetivos, o que dificultava a aplicação da pedagogia. Uma nova pedagogia foi paulatinamente se consolidando a partir da entrada no corpo docente da EBA de artistas modernos como Juarez Paraiso (1934), Sante Scaldaferri (1928), Riolan Coutinho (1932-1994), Rescala (1910-1987), Henrique (1918-1965) e Jacyra Oswald (1929), Adam Firnekaes (1909-1966) e, de igual forma, dos arquitetos Diógenes Rebouças (1914-1994) e Bina Fonyat (1918-?), dentre outros.

Juarez Paraiso | Homo Polutus | 1970.

Acervo Escola de Belas Artes | UFBA.

Os novos enfoques modernistas evidenciavam a inutilidade da habilidade e do bem fazer como elementos de expressão estética, valorizados pela pedagogia acadêmica. O tratamento colorístico, por exemplo, na tendência modernista, é mais contrastante e observa-se, em muitos casos, a utilização de cores cruas (aplicadas diretamente do tubo sobre a tela, sem misturas) ou misturadas entre si no próprio suporte, deixando transparecer essa mescla ao olhar do fruidor (quem vê a obra) e considerando-a um recurso estilístico. Já na tendência acadêmica os contrastes de cores eram mais controlados e subordinados à cor local (cor real dos objetos). Em termos de composição, a produção modernista chegava mesmo a abolir radicalmente a ilusão de profundidade, promovendo uma planificação da superfície pictórica, contrariando o tratamento plástico espacial acadêmico.

Adam Firnekaes | Século XX.

Acervo Escola de Belas Artes | UFBA.

Assim, formou-se de maneira fragmentada e por vezes cheia de lacunas um conjunto teórico e prático que constituía e fundamentava a pedagogia modernista, pedagogia esta que também demandava uma atitude mais participativa do fruidor, exigindo dele uma maior interpretação do que via, indo além da mera contemplação.

Dilson Midlej

 

 

Primeira Geração de Modernos

O Modernismo na Bahia pode ser compreendido em vários momentos. No primeiro momento, pela ação isolada, tomada de posição pessoal do artista; no segundo momento constituído pela manifestação de grupos de artista designados como Primeira Geração de Modernos, Segunda Geração de Modernos, Geração 70 e Geração 80 (em estudo).

Antes, é preciso considerar as conseqüências dos prêmios viagens de estudo a Paris, instituídos nos últimos anos do século XIX. Pelas exposições realizadas após o retorno dos premiados, demonstra a falta de conhecimento do ambiente baiano dos movimentos artísticos de vanguarda. A margem das correntes da vanguarda que agitavam o meio parisiense, até surgir à exposição de 1932, do laureado artista José Guimarães pintor e aluno da Escola de Belas Artes, realizado nas dependências do Jornal A Tarde. Foi a primeira mostra não acadêmica exibida na Bahia. As obras expostas quanto ao tratamento da forma e da perspectiva, apresentavam influencias do pós-impressionismo. Seu estilo foi considerado avançado para a cidade. Contrariando a expectativa do artista, não foi aceito pelo publico, nem compreendido pela intelectualidade baiana com exceção de Eugenio Gomes, o articulista do jornal. Depois de publicamente perseguido, o artista foi para Rio de Janeiro e nunca mais retornou a Salvador. Se o Modernismo significou romper com o passado em busca de nova expressão, historicamente a Arte Moderna na Bahia remete a exposição de José Guimarães.

Ruben Valentin | Século XX.

Outras manifestações modernistas ocorreram duas décadas depois. Em 1944, na exposição organizada pelo artista Manuel Martins. A coletiva reuniu importantes nomes da arte moderna brasileira: Di Calvalcanti, Carlos Scliar, Portinari, Goeldi, Djanira, Flavio de Carvalho, Santa Rosa, Oswaldo de Andrade filho, entre outros presentes na cerimônia o escritor Jorge Amado e Walter da Silveira. Mais uma vez, a reação negativa do publico e dos meios de divulgação se manifestam. No hall do Hotel Palace, jornais: O Imparcial e o Diário da Bahia promoveram a exposição de rabiscos com intuito de chacotear os artistas. Vale ressaltar, que no mesmo ano aconteceu a coletiva que uniu Mario Cravo Junior e Genaro de Carvalho pela primeira vez. Em 1947, no recinto da Associação Cultural Brasil Estados Unido (ACBEU), Mario Cravo Junior e Carlos Bastos - ambos tinham vínculos com a Escola de Belas Artes, exibiram as primeiras obras modernas. Em torno deles se unem Genaro de Carvalho, Jenner Augusto, Ruben Valentin, Maria Célia Calmon Du Pin Almeida e Carybé, artistas de inicio da formação da Primeira Geração de Modernos. A arte moderna recebeu importante apoio oficial EM 1949, com a criação do Salão Baiano de Belas no governo de Otavio Mangabeira e apoio de personagem como Anísio Teixeira. Durante a existência dos seis salões, as duas tendências a acadêmica e a moderna estiveram sempre lado a lado. A tendência acadêmica ligada a EBA, e a moderna independe de instituição, porém, nem todos demonstravam interesse pelas novas expressões: o cubismo, o dadaísmo, o surrealismo e o abstracionismo. A resistência às novas expressões é compreensível, a Bahia tem um passado tradicional e forte em artesanato que se manteve presente no imaginário popular. Valorizado até o presente momento, a arte regional e folclórica era expressão familiar e frequentemente vista nas exposições. Fato que fortalece a permanência da arte figurativa, consequentemente o desinteresse pela abstração.


Malie Kung Matsuda

 

 

EBA em Obras e o Modernismo Baiano

No Brasil, o modernismo representou o direito permanente à pesquisa e os processos de naturalização e atualização plástica, atualização esta que se deu a partir das contribuições das novas descobertas possibilitadas pelos movimentos artísticos europeus.

O modernismo instituiu a investigação formal e temática, estimulou o desenvolvimento de características próprias de estilo de cada artista e assumiu a forma de descoberta da brasilidade pelos brasileiros. Resultou em mudanças radicais na representação, tanto na forma quanto na cor, assim como na concepção do espaço com a abolição da profundidade visual e dos esquemas ilusionistas como os fornecidos pela perspectiva.

O choque dessas mudanças no meio artístico brasileiro na primeira metade do século XX , foi grande, pois predominava o academismo nas artes plásticas e o parnasianismo na literatura. Moderno, no contexto brasileiro, opunha-se ao vocábulo acadêmico e modernismo assumia uma conotação de refletir a sua época, bem como de apresentar uma “visão brasileira”.

Nos estudos sobre o modernismo brasileiro observa-se, todavia, a constante subordinação do seu aparecimento nos estados pelo viés da cronologia em relação a São Paulo e ao Rio de Janeiro, espelhando no contexto nacional a mesma relação comparativa normalmente estabelecida entre os dois centros brasileiros mencionados e a Europa. Este enfoque, assim como as características observadas como conseqüência da diferença cronológica como parâmetro mediador, evidencia muito mais as diferenças econômicas, sociais e políticas existentes entre os centros urbanos cosmopolitas tão diferentes e contrastantes com a realidade das demais cidades brasileiras, o que favorece a idéia de atraso, de superioridade intelectual e artística e de um evolucionismo histórico, reforçando a idéia de provincianismo e condenando as cidades “periféricas” a preencherem o outro extremo daquela dicotomia que estipula o moderno e o cosmopolitismo de um lado e o conservadorismo de um suposto continuísmo acadêmico do outro.

Hansen Bahia | Século XX.

Essa relação é reflexo de como o Brasil se sentia frente à intelectualidade européia, e particularmente à França, país no qual a elite econômica e intelectual paulistana assimilou algumas das características das correntes artísticas das vanguardas históricas, notadamente o expressionismo e o cubismo e assim deu-se início ao modernismo brasileiro.

Outro aspecto apontado pela mostra EBA 130 anos em histórias, em obras e em processos é o de que a Escola de Belas Artes da Ufba não foi refratária ao modernismo, tema sobre o qual a pesquisa científica e a historiografia da arte carecem ainda se debruçar. A oposição da Escola de Belas Artes ao modernismo é um cenário normalmente traçado pela intelectualidade baiana. Esta assertiva, todavia, ignora uma série de fatores, contribuições e evidencias documentais que atestam exatamente o oposto. Assim, a relação comparativa mencionada no primeiro parágrafo é reforçada por diversos intelectuais baianos, a exemplo de Ildásio Tavares, ao afirmar que as “[...] forças hegemônicas enclausuradas no gueto da Escola de Belas Artes [...] pretendiam freiar [sic] o desenvolvimento da arte [...]”.

Evidências incontestes como a realização de seminários, palestras e mostras de artistas modernistas no espaço da EBA da Rua 28 de Setembro e a contratação de arquitetos e artistas modernos para o ensino naquele estabelecimento, contraria aquele argumento. Favorecidos pela sensibilidade e ações de Mendonça Filho na direção da Escola, a partir da década de 1950, um grupo ingressou na EBA como professores: Mario Cravo Júnior, Maria Célia Amado, Diógenes Rebouças, Bina Fonyat, Clarival do Prado Valladares, Hansen Bahia. A estes juntaram-se outros que integravam a segunda geração modernista baiana, a exemplo de Henrique Oswald, Jacyra Oswald, Adam Firnekaes, Juarez Paraiso, Riolan Coutinho e Sante Scaldaferri.

O fenômeno do modernismo baiano (assim como o de outros estados) ainda está por se apreender melhor pela pesquisa universitária. E este é um dos desafios que a exposição EBA 130 anos em histórias, em obras e em processos lança ao meio cultural.


Dilson Rodrigues Midlej

 

 

Geração 1970

A Escola de Belas Artes ainda continua o celeiro das artes visuais, pois, uma grande maioria era formada ou tinham vínculos com a instituição. É importante salientar a presença marcante de Juarez Paraíso na formação dos jovens. Sua sala de aula (barracão), ao mesmo tempo laboratório e ateliê livre, aberto a todos os alunos, artistas, fotógrafos e cineastas. Cercado de obras de todas as linguagens, das diversas técnicas, tridimensional ou bidimensional, desenhos a nanquim, bico de pena, xilogravura, litogravura, múltiplos, fotografia, entre projetos de carnaval. A criatividade não dá espaço ao desperdício, uma simples cabaça se transforma em material expressivo de um totem. Este ambiente de convívio, embebido pela atmosfera de experimentos de novas técnicas, favoreceu o processo criativo da jovem Geração 1970.

A Escola de Belas Artes e a Universidade investem em pesquisa de docentes e estudantes. Por isso, o Salão Universitário retoma as atividades sob a coordenação de Ivo Vellame, passa a ser um evento no Festival de Arte da Bahia, em conjunto a Coordenação Central de Extensão da UFBA. Acontecimento anual, durante quatro anos consecutivos, preparou os futuros artistas plásticos. Uma dos mais importantes exposições, de 1977, revelou o Grupo Lama - Márcia Magno, uma das componentes explora os recursos de som, luz e projeção; Bel Borba - utilizando novo material expressivo, o spray; Murilo Ribeiro obras figurativas de cunho social, fatos da época; Luis Tourinho símbolos e mitos de tratamento e concepção contemporânea. Cita-se também, Justino Marinho, Zivé Giudice, Guache, Araripe, Antonio Neto, José Cunha, Decaconde, Chico Diabo, Maso e os demais, representam as várias expressões contemporâneas da década: nova figuração, abstrato, hiper - realismo, fotografia, junto à linguagem de novas tecnologias.


Malie Kung Matsuda

 

 

Geração 1980

Com o fim da repressão, do AI-5 em janeiro de 1979, a década de 80 apresenta-se rica na revelação de novas linguagens e expressões, como o desdobramento do happening ocorrido em 1968 - após a coletiva Impressão Baiana do fotografo Michael Wanner e Alexandre Caldenhof, se estende nessa década - em arte perfomatica, a expressão corporal. A arte vai para rua, são as interferências urbanas, que modificam as paisagens da cidade. Passíveis de mudanças e de intervenções de terceiros. E os docentes pós-graduados da EBA retornados dos Estados Unidos: Graça Ramos, Maria Adair, Yedamaria, Aylton Lima, contribuem para o salto de qualidade de produção artística da geração.

Nanci Novaes | Orígem da Vida | 1995.

Acervo Escola de Belas Artes | UFBA.

A criação da Galeria do Aluno, espaço exclusivo para alunos da EBA, durante os anos sob a coordenação de Maria Adair, revelou inúmeros artistas contemporâneos como Marepe.

Os limites da Arte Moderna à Arte Contemporânea são tênues e complexas, descritos pela circunstancia de uma política cultural que favoreceu e determinou a mentalidade que regeu a sociedade baiana. Assim, grande parte dela está circunscrita na própria história da Escola de Belas Artes.


Malie Kung Matsuda

 

 

Segunda Geração de Modernos

As mudanças continuam, no final de 1950, ao lado dos primeiros modernos emergem os novos talentos da Segunda Geração de Modernos em busca de novas tendências. Embora a maioria deles seja artista docente ou formado pela EBA - Henrique Oswald, Jacyra Oswald, João José Rescala, Calazans Neto, Mercedes Kruschewsky, Yedamaria, Sonia Castro, Carlos Augusto Bandeira, Sante Scaldaferri, Riolan Coutinho, Juarez Paraíso, Emanuel Araújo, Leonardo de Alencar, Ângelo Roberto M de Andrade, Edsoleta Santos, Marlene Cardoso, Edízio Coelho, Jamison Pedra - havia outros demais talentos como Adam Finerkaes, Fernando Coelho, Estivellet, Reinaldo Eckenberger, Mario Cravo Neto, Floriano Teixeira, Helio Bastos, Lygia Sampaio, Rubem Valentin.

Mario Cravo Neto | Século XX.

A Segunda Geração dos Modernos representa a década da nova expressividade. Em 1960, foi inaugurado o Museu de Arte Moderna sob a direção de Lina Bo Bardi, onde foram realizadas exposições de artistas abstratos de destaque nacional e internacional: Manabu Mabe, Flávio Tanaka, Antonio Bandeira, Burle Marx. Proporcionou ao publico baiano aproximar-se da realidade da arte de vanguarda isto é, do abstracionismo. Década fecunda para a EBA, com a separação dos cursos de Arquitetura das Artes veio uma nova leva de professores, artistas aficionados da arte moderna, que motivaram novas experimentações. Com participação de um Diretório Acadêmico mais atuante, promovendo exposições de artistas da Primeira Geração de Modernos entre outras coletivas e o apoio de Prof. Mendonça Filho, a EBA lidera a produção artística. Buscaram experimentações abstratas como os desenhos de Juarez Paraíso, que desde o inicio mostrou tendência para o abstracionismo orgânico. Sante Scaldaferri revelou pinturas abstratas, vistas na “A Ilha” e “Fuga”, Adam Finerkaes, desenhos abstratos gestuais, e Riolan Coutinho. Para eles, o importante era expressar os sentimentos por meio da linguagem de compreensão universal, mas que representasse, segundo as palavras de Glauber Rocha, no prefácio do catálogo de exposição de Sante Scaldaferri em 1961, “.... uma pintura que tivesse a ver com nossas raízes: não figurativismo decorativo, o recurso fácil da narrativa pictórica transporta, mas a expressão, a linguagem representativa de uma atmosfera e luz e pathos bahianos”.
E a década culmina em 1966, com a realização da I Bienal Nacional de Artes Plásticas, sob a liderança de Juarez Paraíso e sua equipe no Convento do Carmo. O evento revela a forte presença da arte primitiva e do abstracionismo, ao lado de novas expressões como Pop Art, Assemblagem, Nova Figuração e Arte Ambiental.
Depois da I Bienal Nacional de Artes Plásticas, pode-se verificar que a arte abstrata é uma realidade. Embora os problemas de falta de espaço para exposição e de demanda continuassem, há maior apoio do governo, dos meios de comunicação e das galerias. As novas expressões são doravante menos hostilizadas pelo público, porém, não totalmente aceitas. O gosto pela arte de fácil deleite ainda é a maior barreira para a compreensão da arte moderna.
A II Bienal Nacional de Artes Plásticas de 1968 foi fechada pela censura no dia seguinte de abertura. Frustra toda a expectativa criativa de experimentos artísticos realizados entre as bienais. 
A década proporcionou duas exposições reveladoras de um novo segmento de jovens talentos: as mulheres artistas. As exposições I ª e IIª Exposição Feminina de Artes Plásticas (1968/69) promovidas pelo Departamento Cultural da UFBA, na gestão de Valentin Calderon, realizada no Foyer do Teatro Castro Alves, evidenciam a contribuição das artistas na arte moderna, a nova figuração, o abstracionismo, o surrealismo e posteriormente na coletiva A Mulher na Arte da Bahia, em 1979.
O Grupo ETSEDRON surge em 1969, ativo até 1980. Movimento de longo alcance liderado por Edson da Luz e apoio da crítica de arte Matilde Matos, apresenta uma proposta ampla e inovadora de atitude. Valoriza a arte de origem nordestina em oposição aos valores da arte de elite internacional, no momento em que a arte baiana procura diminuir a defasagem artística a nível nacional, em busca da linguagem universal, o Etsedron revitaliza o regional.  Valoriza o artesão e o material pobre - o cipó. Explora a expressividade que o material orgânico oferece em abundância na região. Incorporam às artes, outras áreas de conhecimento: medicina, sociologia, etnologia.  As obras são realizadas no local de origem, expostas ao céu aberto. O processo se desdobra, desponta na Bienal de São Paulo, em 1973, apresenta o Espantalho e Projeto Ambiental, recebe premio Governador do Estado, e na Bienal de 1975, reconhecido como movimento de raiz brasileiro. Termina com uma queima plástica uma Interferência Urbana, e a documentação resultou a obra Metagênese e Apocalipse, exposta na Bienal de 1979. Ao longo dos dez anos, mais de 80 artistas participaram desse processo criativo. Da Geração 70 muitos vivenciaram o movimento Etsedron.


Malie Kung Matsuda

 

 

Processos na Arte Contemporânea e a EBA em Processos

A partir de quando podemos falar de arte contemporânea na Bahia? O que há de específico na produção artística baiana? Que alcances têm as contribuições locais? Qual é o papel da EBA na construção e na legitimação dessa contemporaneidade?

Embora, neste espaço, qualquer resposta a tais perguntas não superaria o nível da aproximação, questões como essas são fundamentais não apenas para estabelecer critérios para uma mostra sobre a produção recente da EBA, como são pertinentes para algumas reflexões sobre o perfil local da arte moderna e da arte contemporânea. Esses fenômenos, cujos limites cronológicos aparecem bastante determinados na historiografia especializada, geralmente produzida por europeus e norte-americanos, frequentemente se confundem na América Latina. No Nordeste do Brasil e, em particular, na Bahia, percebe-se que grande parte das problematizações da contemporaneidade emerge de maneira indissociável dos questionamentos da modernidade.

Durante algum tempo, a historiografia analisou a arte produzida na Bahia sob critérios de adequação a um certo “prêt-a-porter” internacional ou como “tradução” ou “releitura local” das discussões cariocas e paulistanas, privilegiando o olhar colonizado da “importação” de tendências ou o entendimento simplista das poéticas individuais sob prismas laudatórios de “genialidade” em detrimento da identificação e valorização de possíveis contribuições especificamente baianas.

Uma das intenções da mostra EBA em processos é, portanto, apontar alguns dos elementos distintivos da produção local e que, ao nosso ver, constituem efetivamente linhas de trabalho e eixos de discussão próprios da arte produzida nas últimas décadas na Bahia. Não se busca avaliar o grau de “novidade” ou a dimensão mercadológica que a arte contemporânea baiana possa apresentar, senão identificar algumas das problemáticas e das potencialidades reveladas pelos artistas locais.

Virginia de Medeiros | 2006.

Coleção da Artista.

No âmbito internacional, o surgimento da arte contemporânea é localizado nos anos 1960, a partir da ocorrência de uma série de rupturas radicais nas formas, nos conteúdos e nos meios artísticos, em respeito aos postulados do modernismo. Porém, na Bahia pode-se dizer que a emergência da arte contemporânea ocorre de maneira diferente, não tanto como superação explícita do paradigma moderno senão como processo de ampliação e aprofundamento dos seus questionamentos, como releitura e atualização de suas experiências, como acumulação e hibridação do seu legado. Em outras palavras, alguns dos fatores, que em outros contextos implicaram num novo rumo para a produção artística, estariam presentes no cenário baiano ainda nos anos 1950 e sob outras perspectivas ainda pouco estudadas.

Em termos conceituais, uma das características que se assinalam da arte contemporânea é o fim das grandes narrativas tradicionais sob o conceito de mimese ou pela preponderância do aspecto visual diante da emergência de novas indagações teóricas além dos formalismos. Por um lado, mais do que perguntar o que é a arte, agora seria relevante questionar quais os efeitos que a obra de arte produz. Por outro lado, quem diz o que seja ou não arte? A intencionalidade do artista parece prescindível para definir uma obra de arte diante dos mecanismos de reconhecimento institucional e dos circuitos de legitimação que determinam que um artefato qualquer possa ter ou não o status de arte. Outra das questões contemporâneas a destacar diz respeito à abrangência do artístico como superação do aspecto visual: o que a arte expressa prevalece sobre a sua aparência, isto é, a obra deixou de ser um objeto para ser uma posição donde ver o mundo.

Se tais questões teóricas orientam a definição da arte contemporânea em geral, é importante começar por reconhecer que a arte baiana já apresenta algumas dessas características antes dos anos 1960, momento em que se convenciona datar o surgimento do contemporâneo. Se a referência e o significado da obra de arte são hoje mais importantes que a definição do que seja a arte, na Bahia essa “função denotativa” que caracterizaria o contemporâneo vem sendo colocada concomitantemente com as pesquisas lingüísticas e formais da modernidade, a começar pela estreita relação entre o erudito e o popular que norteia toda a pedagogia artística da EBA. Assim como acontece em outras regiões latino-americanas, a arte como veículo de construção de uma identidade própria, que conjuga elementos da cultura local com técnicas de representação modernas no nosso caso, que projeta valores universais através das especificidades baianas , está presente tanto nas manifestações populares como na produção acadêmica da EBA, perpassa as peças de um autodidata como Mestre Didi e os murais de um acadêmico como Juarez Paraíso, continuando hoje pelas cerâmicas de Mestre Vitorino de Maragogipinho e as instalações de Marepe nas bienais internacionais.

Todavia, na lógica da “teoria institucional” como condição contemporânea, deve-se destacar a relevância da EBA como instituição legitimadora da arte local, uma vez que a crítica de arte institucionalizada e sistemática tem sido muito acanhada nas últimas décadas. Além das mostras de arte que possam ser promovidas em diversos espaços de galerias, museus e centros culturais, a formação do conhecimento e a legitimação de uma produção se consolida mediante análise teórica e crítica especializada. Em outras palavras, desde os anos 1980, diante da carência de exames e reflexões sobre a arte local, seja na imprensa, seja nas instituições culturais, pode-se dizer que a EBA vem sendo praticamente a grande responsável pela historiografia e o registro crítico da produção contemporânea. Além da produção crítica regular da Pós-Graduação em Artes Visuais, não são poucos os acalorados debates que partem do âmbito da EBA em diversos momentos da discussão artística local, a exemplo da recente polêmica em torno das “peles grafitadas” de Wylliams Martins ou da abordagem disciplinar das relações entre Arte e Erotismo num âmbito acadêmico brasileiro.

A constante participação e reconhecimento de professores, alunos e egressos da EBA em eventos diversos permite manter um diálogo permanente entre a esfera acadêmica e o universo externo. Artistas como Marepe, Gaio, Paulo Pereira, Ieda Oliveira ou Virginia de Medeiros são alguns dos artistas baianos que vêm tendo inserção freqüente nas mostras nacionais e destaque crescente no circuito internacional. Além disso, estrangeiros e brasileiros de outros estados que chegam para desenvolver atividades na EBA bem como estudantes e professores da EBA que realizam estágios ou qualificações em outros lugares, constituem uma rica rede de intercâmbios que permitem alargar as reflexões que emergem do espaço acadêmico.

Além dos novos parâmetros teóricos, possivelmente uma das características mais consensuais do contemporâneo seja a permanente transgressão dos limites da arte temporais e espaciais, físico-dimensionais e conceituais, lingüísticos e técnicos , assim como as fronteiras do artístico visando impactos sociais e políticos. Nesse sentido, a EBA tem sido um centro de irradiação e de aglutinação de um extenso repertório de manifestações em diferentes suportes, a partir de um arcabouço complexo de conceitos e temas que esprimem um sentido de baianidade oposto às pasteurizações midiáticas e promoções turístico-mercadológicas que têm pautado a divulgação cultural da Bahia nas últimas décadas.

Apropriação, alegoria, acumulação, hibridação e site specific são conceitos cada vez mais recorrentes na produção da EBA desde os anos 1990, a exemplo das intervenções do GIA, Jovan Mattos, Viniciius S/A ou Vauluizo Bezerra focando a surrealidade como estratégia de resistência à mesmice e como subversão da racionalidade cotidiana. Diversos trabalhos e práticas “expandidas” de artistas como Baldomiro Cruz ou Juracy Dórea, extrapolam os espaços da EBA como debate da validade dos espaços tradicionais, enquanto informalismo, abstração, experimentação são características acentuadas nos trabalhos de Márcia Abreu, Maristela Ribeiro, Sarah Hallelujah, Mili Genestreti e Marco Aurélio Damasceno. A ludicidade, a irreverência, o caótico, o traumático, o fragmentário, o performático são valores que perpassam grande parte das obras de artistas como Marcondes Dourado ou Daniel Almeida.

Marco Aurélio Damasceno | Arapuca (fechada) | 2003.

Coleção do Artista.

Assim como na cena internacional, desde os anos 1980, as categorias históricas da pintura e da escultura são insuficientes para explicar as manifestações contemporâneas, na arte baiana das últimas décadas se observam diversas dissoluções das linguagens tradicionais. De modo tímido, em termos quantitativos, mas qualitativamente relevante, novas linguagens como vídeo-arte e performance começam a se consolidar nos estudos e obras de artistas como Danillo Barata, Ayrson Heráclito, Mônica Simões e Zé Mário. Também a fronteira disciplinar entre arte e design, as possibilidades criativas da desrazão, as potencialidades expressivas do inconsciente, as poéticas de gênero, são algumas das investigações que se processam em diferentes instâncias da EBA. O sincretismo religioso, a devoção popular, o pluralismo de referências, a diversidade étnica, cultural e sexual, são temáticas específicas de artistas como Tonico Portela, Luiz Mário e Edgard Oliva.

Em síntese, seria uma incoerência epistemológica pretender tecer considerações conclusivas sobre uma produção contemporânea que, por definição, está inconclusa e em aberto. Podem ser vislumbrados rumos e desdobramentos, mas seria um determinismo anacrônico para a própria definição de arte antecipar as metas de uma EBA em processos. Certamente esta historia continua... Bem-vindos aos próximos 130 anos!


Alejandra Hernández Muñoz

 

 

Escola de Belas Artes
Rua Araújo Pinho, 16-202. Canela - Salvador - Bahia

Informações EBA 130
Tel.: 32837915 | Cel.: 9988-7694
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